19.12.07

O surrealismo trágico de Fábio Allon

Tomando emprestado dos surrealistas, que já tomaram emprestado do conde de Lautréamont, a imagem do encontro inesperado de objetos que representam o choque de identidades opostas ou ao menos distantes, mas que, na aparência, não evocam quase ou nenhum sentido, Fábio Allon aproxima árvores e chicletes. A aproximação original de Maldoror, em seus cantos trágicos, de um guarda-chuva e uma máquina de costura, traz a força da tensão literária que em Fábio Allon transforma-se em imagens construídas com grande domínio narrativo cinematográfico.
A suavidade e brevidade de uma bola de chiclete tocando o tronco duro e áspero, crescido ao longo de muitos anos, das árvores, ainda evocam outro tema caro aos surrealistas: o encontro inesperado dos objetos representa o encontro erótico amoroso. Se para Maldoror o guarda-chuva e a máquina de costura encontram-se numa mesa de dissecação, em Fábio Allon as árvores e chicletes encontram-se numa floresta onírica, juntamente com os personagens que se misturam neste cenário (lembrando de passagem "O labirinto do fauno", ambos quase como sutis adaptações modernas de "Alice no país das maravilhas") pontuado pela agressividade suave da personagem de meias alaranjadas que, delicadamente, fere o homem que, também sozinho, trata de ferir-se.
A repetição à exaustão das imagens cria o incômodo necessário tanto para a tensão da narrativa quanto para tornar-se metáfora das relações humanas insustentáveis.
A partir de um tema controverso, Fábio Allon realiza, com intuição e espontaneidade precisas, um filme que anuncia, nitidamente, um talento promissor na arte cinematográfica.
JO

Filme: "Árvores e chicletes", de Fábio Allon

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